Harvey Max Chochinov destaca a importância da terapia da dignidade nos cuidados paliativos em entrevista. Segundo ele, é preciso respeitar essa abordagem inovadora.
Foto: University of ManitobaEntrevista com Harvey Max ChochinovPsiquiatra e autor do livro ‘Terapia da Dignidade: Finitude, legado e dignidade nos cuidados paliativos’Se a maioria de nós evita ao máximo pensar ou falar sobre a morte, ela é quase ‘onipresente’ na rotina do psiquiatra canadense Harvey Max Chochinov.
Os cuidados paliativos são essenciais para proporcionar um tratamento humanizado e melhorar a qualidade de vida em cuidados paliativos. É importante garantir que os pacientes terminais recebam os cuidados para o fim da vida adequados para garantir seu bem-estar e conforto. A abordagem centrada na pessoa e no alívio dos sintomas são aspectos fundamentais dos cuidados paliativos. Oferecer apoio emocional e espiritual também faz parte do processo de cuidado, visando promover o conforto e a dignidade dos pacientes no final da vida.
Cuidados Paliativos: uma abordagem humanizada e inovadora
Pesquisando cuidados paliativos há 35 anos, o médico não passa um dia sequer sem pensar em como tornar os últimos dias das pessoas melhores e mais dignos.Os cuidados paliativos representam uma abordagem ou um tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Eles envolvem desde controlar a dor e tratar sintomas até proporcionar conforto emocional e espiritual.A maioria dos brasileiros em situação ameaçadora à vida não tem acesso a cuidados paliativos adequadamente, avalia a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).
O Atlas de 2022 da instituição aponta para um avanço significativo de serviços, mas, mesmo assim, são apenas 234 – e a maior parte fica concentrada no Sudeste. Uma política nacional foi aprovada apenas no ano passado.Para Chochinov, o acesso a esse tipo de cuidado é algo ‘muito básico’ e precisa ser respeitado.
A maneira inovadora com a qual tratou a prática lhe rendeu um espaço no hall da fama médico do Canadá. ‘Ele moldou o panorama dos cuidados paliativos em todo o mundo’, afirma a organização de caridade responsável por escolher os laureados.E isso é verdade. A ‘terapia da dignidade‘, que desenvolveu junto a colegas, é aplicada, com pequenas adaptações, ao redor do mundo e em diferentes culturas.
Trata-se de uma das psicoterapias mais estudadas dentro dos cuidados paliativos. Chochinov estima que mais de 100 artigos já foram publicados sobre o método – fora os estudos ainda em curso.O maior deles saiu em janeiro deste ano na revista científica Journal of Palliative Medicine e foi feito com 579 pacientes idosos com câncer em cuidados paliativos.
Ao compará-los com o grupo controle, que não recebeu essa psicoterapia, os pesquisadores conseguiram demonstrar a eficácia da terapia na melhoria da dignidade dos adultos mais velhos.’Uma hipótese central do nosso estudo foi que a terapia da dignidade influencia em domínios espirituais e…
Qualidade de Vida em Cuidados Paliativos: a importância do tratamento humanizado
…existenciais importantes, como a necessidade de significado, as preocupações com a família e a necessidade de um legado’, escreveram os pesquisadores, liderados por Diana Wilkie, da Faculdade de Enfermagem da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos.PublicidadeComposta de uma série de perguntas pré-definidas, mas que seguem um caminho bastante orgânico, essa psicoterapia tem como objetivo guiar as pessoas a encontrar uma maneira de serem lembradas ou de ter sua sabedoria transmitida.
O passo a passo dela foi publicado em livro homônimo, em 2011, que ganhou uma versão brasileira: ‘Terapia da Dignidade: Finitude, legado e dignidade nos cuidados paliativos’, da Editora Manole (2023).Ela é resultado do chamado ‘modelo de dignidade’, que ajudou Chochinov e colegas a entenderem como trazer mais conforto e bem-estar no fim da vida.
A preservação da dignidade, eles descobriram, é um dos principais preditores da vontade de continuar vivendo ou não.Os cuidados paliativos representam uma abordagem ou um tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de graves doenças. Nesse sentido, um dos pontos de partida é tratar o paciente com dignidade, e não como sinônimo de uma condição de saúde.
Foto: Chinnapong/Adobe StockA dignidade, por sua vez, está intimamente ligada à identidade ou à afirmação da identidade. Afinal, ninguém quer ser encarado como uma doença…
Entrevista com Harvey Max Chochinov sobre os Cuidados Paliativos
…’Não queremos ser vistos apenas como uma doença cardíaca terminal ou um delírio agudo intermitente ou falência renal. Esses são rótulos genéricos que damos aos pacientes. Mas não há nada de genérico sobre pessoas.
Cada um de nós é único’, afirmou, em entrevista ao Estadão.Agora que se aproxima do que chama de ‘crepúsculo’ de sua carreira, ele quer compartilhar o que entende por cuidar com dignidade. Em 2022, publicou o livro ‘Dignity in Care’, no qual fornece insights de como alcançar o lado humano na Medicina.
‘Quando ensino, estou tentando falar não apenas para públicos interessados em cuidados paliativos, mas para qualquer pessoa interessada em cuidar de seres humanos.
Porque o respeito e a dignidade importam em todo o ciclo da vida.’PUBLICIDADEConfira os principais trechos da entrevista:Você escreveu que, ao ensinar sobre cuidados paliativos ao redor do mundo, sempre…
Terapia da Dignidade: uma abordagem inovadora em Cuidados Paliativos
…se impressionou com o fato de as pessoas serem muito semelhantes, no sentido que compartilhamos preocupações e lutas comuns sobre como lidar com a vulnerabilidade e a inevitabilidade da morte.
Como a humanidade encara a morte?Me senti surpreso e, de certa forma, até encorajado ao ver como somos similares uns aos outros. Somos diferentes de algumas maneiras, mas, quando se trata de coisas que são tão inerentemente humanas, somos todos muito parecidos. Quando se trata de morte, as pessoas estão ansiosas, com medo.
A morte é o grande desconhecido, e tanto é assim que quase se torna algo que realmente não pode ser falado ou sobre o qual se fala muito pouco.Parece muito clichê dizer isso, mas somos uma sociedade que nega a morte. A verdade é que não dedicamos muito tempo prestando muita atenção à morte até que nós mesmos ou aqueles próximos a nós enfrentam uma condição…
…é muito semelhante ao que os pacientes enfrentam em cuidados paliativos?É verdade que não estamos fornecendo a eles uma resposta de uma maneira tradicional, mas estamos oferecendo respostas para questões que eles têm tentado resolver há muito tempo, por exemplo: como minha família vai se virar sem mim?
Como meus filhos vão me conhecer? Como posso garantir que meu marido entenda que nosso amor não o impede de encontrar outra pessoa para compartilhar a vida?Isso dá às pessoas uma plataforma para poder responder a esses tipos de perguntas por si mesmas, criando um legado muito enriquecedor.
Muitas pessoas pensam em fazer isso, mas elas travam, porque é muito emocional, é avassalador, e elas não sabem necessariamente como juntar tudo isso.Você escreveu que, embora tratar com dignidade sempre foi o parâmetro na medicina, muito pouco se sabia ou pesquisava sobre o tema.
O que é dignidade?Decidimos estudar a dignidade porque notamos que, ao olhar para lugares como Holanda e Bélgica, onde a eutanásia e o suicídio assistido estavam…
Política Nacional e Abordagem Inovadora em Cuidados Paliativos
…ocorrendo, os estudos que surgiam nos diziam que a principal razão pela qual os pacientes buscavam uma morte acelerada era devido a uma perda de senso de dignidade, segundo relatos dos médicos que os haviam atendido.PublicidadePensamos: ‘Se a dignidade é um motivo pelo qual vale a pena morrer, então vale a pena ser estudada’.
Começamos a olhar para a literatura mundial – e isso remonta à metade dos anos 1990 –, e o que estava escrito sobre dignidade não era científico. Ela era usada como um poderoso argumento final para apoiar sua posição. Então, se você apoiasse a eutanásia e o suicídio assistido, diria que se trata de uma questão de dignidade humana: ‘Meu corpo, minha autonomia, isso é sobre dignidade’.
E se você não aprovasse, diria: ‘É tirar a vida humana, isso é sobre dignidade humana’.Não somos filósofos, não somos a polícia moral: somos médicos e profissionais de saúde interessados em tentar…
…apresenta os capítulos atuais da abordagem inovadora em cuidados paliativos?Quando buscamos um médico, queremos uma resposta, um tratamento, um prognóstico, principalmente se tratando de pacientes que enfrentam um risco iminente de morte.
Mas me parece que a terapia da dignidade é muito mais sobre perguntas do que respostas. Como os pacientes lidam com essa quebra de expectativa?É verdade que não estamos fornecendo a eles uma resposta de uma maneira tradicional, mas estamos oferecendo respostas para questões que eles têm tentado resolver há muito tempo, por exemplo: como minha família vai se virar sem mim?
Como meus filhos vão me conhecer? Como posso garantir que meu marido entenda que nosso amor não o impede de encontrar outra pessoa para compartilhar a vida?Isso dá às pessoas uma plataforma para poder responder a esses tipos de perguntas por si mesmas, criando um legado muito enriquecedor.
Muitas pessoas pensam em fazer isso, mas elas travam, porque é muito emocional, é avassalador, e elas não sabem necessariamente como juntar tudo isso.Você escreveu que, embora tratar com dignidade sempre foi o parâmetro na medicina, muito pouco se sabia ou pesquisava sobre o tema.
O que é dignidade?Decidimos estudar a dignidade porque notamos que, ao olhar para lugares como Holanda e Bélgica, onde a eutanásia e o suicídio assistido estavam…
…são os resultados da pesquisa científica sobre a terapia da dignidade em cuidados paliativos?Começamos a olhar para a literatura mundial – e isso remonta à metade dos anos 1990 –, e o que estava escrito sobre dignidade não era científico. Ela era usada como um poderoso argumento final para apoiar sua posição. Então, se você apoiasse a eutanásia e o suicídio assistido, diria que se trata de uma questão de dignidade humana: ‘Meu corpo, minha autonomia, isso é sobre dignidade’.
E se você não aprovasse, diria: ‘É tirar a vida humana, isso é sobre dignidade humana’.Não somos filósofos, não somos a polícia moral: somos médicos e profissionais de saúde interessados em tentar…
Dignidade e Qualidade de Vida em Cuidados Paliativos no Brasil
…descobrir como podemos ajudar as pessoas conforme elas se aproximam do final da vida.
A razão pela qual tenho interesse no desejo de morrer é porque se as pessoas estão em uma situação na qual não querem mais viver, há algo acontecendo, ou não acontecendo, em seu cuidado que precisamos estar atentos?Começamos, então, a fazer alguns dos primeiros estudos científicos sobre dignidade.
Uma das descobertas iniciais, que para mim foi uma epifania, foi de que a coisa que mais predizia a dignidade em uma grande coorte, com mais de 200 pacientes terminais, era como eles se percebiam sendo vistos, a noção de aparência. Isso é muito interessante. A maneira como eles percebiam que os outros lhes enxergavam era o preditor mais poderoso de dignidade.
Sempre pensei que bons cuidados paliativos se tratava do que fazemos ao paciente, e os dados estavam dizendo que o preditor mais poderoso de dignidade era como nós, os provedores de saúde, enxergávamos os pacientes.Metaforicamente falando, o que essa descoberta está dizendo é que os pacientes estão procurando um reflexo nos olhos do provedor de saúde que irá confirmar seu…
Política Nacional e Acesso aos Cuidados Paliativos no Brasil
…senso de dignidade.
Se estou indo ao médico e a única coisa que vejo refletida em seus olhos é minha doença, sinto que me tornei minha doença. Eu não sou mais eu.
Mas, se o que vejo refletido em seus olhos também inclui a imagem que me contém, quem sou eu como pessoa, sinto que minha dignidade foi preservada.E isso não é apenas verdade quando estamos no final da vida: é para todas as vezes que você entra no consultório de um médico. Ninguém quer ser visto apenas como sua doença. De repente, tudo o que você se torna é aquele caroço ou aquela dor.
As pessoas querem continuar a ser vistas e apreciadas na totalidade do que são como seres humanos.Como definimos a dignidade? Sabemos que tem muito a ver com o nosso trabalho (como profissionais de saúde) e tem muito a ver com como somos…
Abordagem Inovadora em Cuidados Paliativos: a busca pela humanização
…apreciados ou percebidos. É sobre a preservação da pessoa. Há uma infinidade de coisas que afetam a dignidade, e elas não são hierárquicas.
Isso significa que, para algumas pessoas, estar limpo, estar sem dor, é a essência da preservação da dignidade. Para outras, é muito mais sobre uma jornada espiritual. Mas, para muitas pessoas, é sobre tentar preservar sua essência.Lendo seus livros me pareceu que dignidade tem uma forte e íntima relação com identidade. É isso mesmo?Por que a identidade e a afirmação de uma identidade são tão importantes para nós?Porque atinge o cerne de quem somos, da nossa essência, e é aí que a tensão surge em relação à Medicina. No momento em que cruzamos o limiar da clínica ou do hospital, nos tornamos pacientes. Agora, um paciente é definido de uma forma muito genérica.
Um paciente cardíaco, um paciente com câncer, um paciente psiquiátrico. Em outras palavras, você se torna definido com base em ‘equipamentos’ muito padronizados que todos temos em nossa mente e nosso corpo e que começam a falhar.PublicidadeQuando nos tornamos pacientes, somos entendidos dessas formas genéricas.
Quando isso acontece, não apenas começamos a perder nosso senso de identidade, mas começamos a sofrer. E o sofrimento, como escreveu (o médico e escritor americano) Eric Cassell, é aquele tipo de estado subjetivo, aquele estado onde a integridade de quem somos como seres humanos está sob ataque ou ameaçada de desintegração.
Se você está em um lugar onde a essência de quem você é não pode mais ser expressa ou não está mais sendo reconhecida, seu sofrimento…
…maior de serem lembradas ou de ter sua sabedoria transmitida. O passo a passo dela foi publicado em livro homônimo, em 2011, que ganhou uma versão brasileira: ‘Terapia da Dignidade: Finitude, legado e dignidade nos cuidados paliativos’, da Editora Manole (2023).Ela é resultado do chamado ‘modelo de dignidade’, que ajudou Chochinov e colegas a entenderem como trazer mais conforto e bem-estar no fim da vida.
A preservação da dignidade, eles descobriram, é um dos principais preditores da vontade de continuar vivendo ou não.Os cuidados paliativos representam uma abordagem ou um tratamento que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de graves doenças…
Modelo de Dignidade e Identidade em Cuidados Paliativos
…Nesse sentido, um dos pontos de partida é tratar o paciente com dignidade, e não como sinônimo de uma condição de saúde.
Foto: Chinnapong/Adobe StockA dignidade, por sua vez, está intimamente ligada à identidade ou à afirmação da identidade. Afinal, ninguém quer ser encarado como uma doença. ‘Não quer
Fonte: @ Estadão
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