Falta de alimentos e longos apagões geram protestos em Cuba. Demandas por distribuição oportuna da cesta básica e mecanismos de racionamento são evidentes.
Desde que acorda pela manhã até a hora de dormir, Renata Silva se preocupa constantemente com os alimentos que precisa comprar para sua família de quatro pessoas, uma situação comum em muitos lares brasileiros enfrentando os desafios da pandemia.
Além de garantir a segurança alimentar de todos, Renata precisa lidar com as preferências alimentares de cada membro da família, buscando receitas saudáveis e balanceadas para todas as refeições. A variedade de comida disponível no mercado nem sempre é suficiente para satisfazer as necessidades nutricionais de todos, exigindo muita criatividade na hora de preparar as refeições.
‘O dilema de muitas mães cubanas’
‘A primeira coisa que digo quando me levanto da cama é o que vou dar de comida a meu filho e, quando me deito, o que posso lhe oferecer para merendar, para seu café da manhã’, relata à AFP Ruiz, uma dona de casa de 31 anos e com quatro meses de gestação, que vive em Nuevo Vedado, bairro central de Havana. Diana se movimenta no pequeno espaço entre o armário, onde guarda um pouco de arroz e alguns pães, e a geladeira, onde conserva um hambúrguer, duas garrafas de água e uma vitamina de fruta congelada. ‘Isso é tudo’, diz, desanimada, em seu lar, no qual também reside com seu pai, que perdeu a visão.
As queixas por escassez de alimentos somadas aos longos apagões, que impactaram praticamente toda a população cubana recentemente, levaram centenas de pessoas a se manifestarem em 17 de março em pelo menos quatro cidades do país, os maiores protestos registrados desde as históricas marchas antigovernamentais de 11 de julho de 2021.
Estas demonstrações atípicas tiveram início em Santiago de Cuba, a segunda cidade mais relevante do país, no leste, cujos moradores passavam até 13 horas diárias sem eletricidade. ‘Alimentos e energia’ foi a reivindicação dos manifestantes, incluindo muitas mulheres. O presidente Miguel Díaz-Canel admitiu, dias depois, ‘um acumulado de longos apagões que irritam bastante a população’.
Cuba também enfrenta ‘carência de comida’ devido às ‘interrupções na distribuição oportuna da cesta’ básica, acrescentou. A ONG de direitos humanos Justicia 11J relatou, esta semana, que registrou 17 detenções associadas aos protestos, enquanto a Prisoners Defenders, com sede na Espanha, comunicou à AFP que documentou a apreensão de 38 pessoas, das quais seis foram liberadas.
‘Tendência crítica’
As autoridades assumiram em 2023 dificuldades por falta de divisas para importar 100% dos produtos da cesta básica que são distribuídos a preços subsidiados, através de mecanismos de racionamento, aos 11 milhões de cubanos. Enquanto isso, de acordo com números oficiais, a produção agropecuária baixou 35% entre 2019 e 2023.
Em fevereiro, Cuba solicitou pela primeira vez suporte ao Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU para garantir o abastecimento de leite às crianças, depois de anunciar que não seria capaz de completar as porções deste mês.
No começo do ano, as autoridades também enfrentaram dificuldades para entregar pão, devido ao atraso dos barcos com trigo que Cuba compra no exterior e a avarias em quatro dos cinco moinhos que existem no país. Isso só permitiu a produção de pouco mais de um terço da demanda total do país.
Embora a capital não sofra os longos apagões que impactam o restante das províncias, para muitos os alimentos chegam a conta-gotas. ‘Vêm de pouquinho em pouquinho, um quilinho hoje e, dentro de X dias, outro quilinho […] Temos problemas com a comida’, relata Aracely Hernández, de 73 anos e moradora de Bacuranao, uma localidade da periferia de Havana. Essa aposentada menciona que recebe 1.500 pesos de pensão (pouco mais de 300 reais no câmbio oficial) e que um pacote de frango lhe custa 3.000 pesos fora do sistema de racionamento. ‘É preciso economizar e pedalar porque tudo está muito caro’, lamenta.
– ‘Rompimento do pacto social’ -Desde 2021, as lojas privadas também comercializam leite, pão, frango e outros produtos básicos, porém seus valores são muito elevados em relação ao salário médio. Em sua pior crise econômica em três décadas, a ilha apresenta uma escalada inflacionária.
Em 2021, os preços dispararam 70%, em 2022, 39%, e em 2023, 30%, níveis não observados pelos cubanos desde o triunfo da revolução em 1959. Para Arturo López-Levy, pesquisador associado à escola de Estudos Internacionais na Universidade de Denver, a intensificação das sanções de Washington dificulta todos os esforços de Cuba.
No entanto, considera que ‘o governo cubano optou por um sistema muito hostil às estruturas do mercado’ e que ‘o modelo está em crise’. O governo ‘tenta pregar uma moral de qualidade igualitária que não pode sustentar’, acrescenta. ‘O que há por trás dos protestos? Fundamentalmente escassez e uma ruptura do pacto social’ entre a população e o governo comunista.
Esse pacto não pode se sustentar como antes, afirma López-Levy, referindo-se às primeiras décadas da revolução, quando Cuba tinha condições de vida melhores graças ao forte apoio que recebia da extinta União Soviética.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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