Universitários que se consideram superiores por critérios financeiros, étnicos ou intelectuais podem cometer crimes como ofensas racistas ou preconceituosas.
No calor dos jogos universitários, as provocações verbais se tornam uma verdadeira arte. “Federal, fala baixinho, quem tem 10 mil não envelhece no cursinho!” é respondido com “10 mil reais é o preço que se paga por não ter estudado mais!” Em meio à rivalidade esportiva, uma guerra de classes silenciosa se desenrola, e as provocações se tornam cada vez mais criativas e mordazes.
É durante essas competições universitárias que a tensão entre os grupos se manifesta de maneira mais intensa. “Eu sou solidário, pago seu curso e vou pagar o seu salário” é rebatido com “Explode o seu cartão, na maior mensalidade, é lindo ver seu pai pagando a tua e a minha faculdade.” A ironia e o sarcasmo são as armas utilizadas nessa batalha verbal, onde cada grupo busca se afirmar como superior. No entanto, por trás das brincadeiras, esconde-se uma realidade mais complexa, onde a questão social e econômica se entrelaça com a rivalidade esportiva. Os jogos universitários no Brasil se tornam, assim, um reflexo da sociedade brasileira, com todas as suas contradições e desigualdades.
Os jogos universitários e a luta de classes
‘Nos jogos jurídicos do ano passado [em Vassouras, RJ], fiquei chocada. Antes da partida, estudantes [de uma faculdade particular do Rio] jogaram notas falsas de dinheiro na quadra, para mostrar que o pai deles pode pagar uma mensalidade’, diz Thamires Soares, aluna de direito, aprovada por cotas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). ‘Durante muito tempo, a gente, que é pobre e preto, não acessava a universidade pública. Agora que conseguiu, precisa vivenciar isso? Reforça o sentimento de não pertencimento.’
Os jogos universitários e a desigualdade social
São casos que se assemelham ao que aconteceu em Americana, em 16 de novembro, quando estudantes de direito da PUC-SP, na torcida, gritaram ‘cotistas’ e ‘pobres’ para colegas da USP. Esses episódios não são novidade nem exceção: reproduzem um comportamento violento e elitista que existe, segundo os especialistas ouvidos, desde a origem do esporte moderno.
Em resumo, você verá que: A origem do futebol, na Inglaterra, já foi motivada por um conflito de classes. A desigualdade social e o entendimento de que determinados espaços só podem ser frequentados pela elite (seja a ‘intelectual’ ou a econômica) motivam as ofensas. A rotina de bebida alcoólica e privação de sono, típica de jogos universitários, inflama ainda mais as intrigas.
Os jogos universitários e a violência verbal
Em determinados casos, as provocações não são apenas antiéticas, mas também criminosas (já houve registro de casca de banana sendo jogada em campo, para jogadores negros). A naturalização da violência verbal nos jogos universitários precisa ser rompida, defendem psicólogos esportivos e juristas: é necessário garantir que os responsáveis enfrentem moralmente e juridicamente as consequências de seus atos.
Os jogos universitários e a luta de classes
A luta de classes sempre existiu no esporte moderno, explica pesquisador Felipe Tavares Paes Lopes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador da violência no futebol, reforça que o que acontece nos jogos universitários segue a mesma lógica já observada na origem dos esportes modernos. ‘O futebol emerge de uma luta de classes entre professores e alunos na Inglaterra do século XVIII e XIX. Os docentes vinham de classes sociais inferiores, enquanto os estudantes das escolas públicas eram da elite, da aristocracia. Era uma competição extremamente violenta, e o controle da disciplina na escola era difícil, por causa dessa estratificação da sociedade’, afirma o pesquisador.
Ele conta que foi feito um ‘pacto social’: os jovens poderiam jogar futebol e organizar os espaços de lazer nos colégios, desde que, dentro da sala de aula, obedecessem aos mestres. No rugby, também na Inglaterra do século XIX, uma divergência por questões financeiras acabou levando à criação de duas ligas diferentes: uma para times da aristocracia, que defendiam que o esporte deveria ser amador, e outra para times da classe trabalhadora, que defendiam que o esporte deveria ser profissional. Essas rivalidades de classe ainda existem nos jogos universitários de hoje.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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