Plenário STF julga ADI sobre interpretações que permitem poder moderador, atuação colaborativa, neutralidade e autonomia administrativa com atribuição de garantia.
O Supremo Tribunal Federal iniciou a análise de um processo de inconstitucionalidade que envolve a atuação das Forças Armadas como um poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O partido Democrático Trabalhista questiona as interpretações que permitem essa intervenção dos militares.
É essencial que as instituições nacionais permanentes mantenham a separação de poderes garantida pela Constituição. A atuação das Forças Armadas deve se limitar ao seu papel constitucional, sem interferir na independência dos poderes.
Governo e Forças Armadas no centro de uma polêmica
PDT solicita que o Supremo Tribunal Federal descarte a ideia de um poder moderador das Forças Armadas A sessão será finalizada em breve. Até o momento, apenas os votos dos ministros Luiz Fux (relator do caso) e Luís Roberto Barroso foram divulgados, parcialmente favoráveis às demandas do partido.
Em um contexto de debate, a legenda pede que o STF restrinja o emprego das Forças Armadas, conforme o artigo 142 da Constituição, somente em intervenções federais, estados de defesa e sítio.
O dispositivo mencionado define as atribuições das Forças Armadas como a defesa da nação, a garantia dos poderes constitucionais e a manutenção da lei e da ordem (GLO) por iniciativa de qualquer dos três poderes. O PDT levanta questionamentos sobre dispositivos da Lei Complementar 97/1999, que regula a utilização das Forças Armadas.
As Forças Armadas como instituições nacionais permanentes
Uma das questões levantadas é o artigo 1º, que caracteriza as Forças Armadas como ‘instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República’.
O partido solicita que seja estipulado que a ‘autoridade suprema do presidente da República’ se restrinja às suas competências constitucionais: exercer a direção superior das Forças Armadas; emitir decretos e regulamentos; definir regras sobre sua organização e funcionamento; extinguir funções ou cargos ou provê-los; nomear seus comandantes; promover seus oficiais-generais; e nomeá-los para cargos privativos.
O PDT também destaca trechos do artigo 15 da lei complementar, que atribui ao presidente da República a responsabilidade pelo uso das Forças Armadas em suas funções constitucionais e estabelece normas para a atuação na GLO. A sigla solicita a restrição do emprego das Forças Armadas em suas três funções.
No que se refere à defesa da pátria, a solicitação é para a limitação a situações de intervenção para repelir invasão estrangeira e estado de sítio para guerra ou em resposta a agressão estrangeira.
Quanto à garantia dos poderes constitucionais, a proposta é a limitação aos casos de intervenção ‘para garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação’ e de estado de defesa ‘para preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional’.
O papel das Forças Armadas na sociedade
No contexto da GLO, a sugestão é restringi-la a situações excepcionais de defesa da autonomia federativa, do Estado e das instituições democráticas — exatamente as hipóteses de intervenção, estado de defesa e de sítio —, sem a possibilidade de aplicação em atividades comuns de segurança pública.
Por último, o PDT questiona a constitucionalidade do § 1º do artigo 15 da lei complementar, que atribui ao presidente da República a competência para decidir sobre o emprego das Forças Armadas — seja por iniciativa própria, seja em resposta a solicitação dos outros poderes. O argumento do partido é que não existe hierarquia entre os poderes.
A ideia de que os militares podem ser utilizados para moderar conflitos entre os poderes e conter um poder que extrapole suas funções é defendida pelo advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins.
Decisão do relator do caso
Em seu voto, Fux reiterou os argumentos apresentados em sua decisão provisória de 2020, que parcialmente atendeu às demandas do PDT e deu interpretação conforme a Constituição aos dispositivos questionados pelo partido. Barroso acompanhou o relator.
Fux estabeleceu quatro pontos cruciais sobre o assunto: 1 — A missão institucional das Forças Armadas não inclui o exercício de um poder moderador entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário; 2 — Não há margem para qualquer interpretação que permita o uso das Forças Armadas para interferências indevidas no funcionamento dos demais poderes; 3 — A prerrogativa do presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas ‘não pode ser utilizada contra os próprios poderes entre si’; 4 — O uso das Forças Armadas na GLO não se restringe às hipóteses de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio, mas se destina ao ‘enfrentamento excepcional de grave e concreta violação à segurança pública interna’ e deve ser aplicado ‘de forma subsidiária, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio’, por meio de uma atuação colaborativa entre as instituições estatais e sujeita ao controle constante dos demais poderes.
O ministro explicou que a garantia dos poderes constitucionais, prevista no artigo 142 da Constituição, ‘não comporta qualquer interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um poder contra o outro’. Segundo ele, a atuação dos militares se refere à proteção de todos os poderes ‘contra ameaças externas’.
Em resumo, é uma maneira de defender as instituições democráticas contra ‘ameaças de golpe, sublevação armada ou movimentos similares’. Portanto, o relator rejeitou a interpretação de que a atribuição de garantia dos poderes constitucionais permite a intervenção das Forças Armadas nos demais poderes ou na relação entre eles. Isso violaria a separação de poderes.
Na visão do magistrado, a noção de um poder moderador das Forças Armadas pressupõe que elas possuam neutralidade, autonomia administrativa e distanciamento dos três poderes. Na realidade, a Constituição estabelece o presidente da República como o ‘comandante supremo’ das Forças Armadas.
Portanto, considerá-las como um poder moderador equivaleria a reconhecer o Executivo como um superpoder, acima dos demais. Essa interpretação está ‘desvinculada de todos os princípios constitucionais fundamentais da ordem democrática brasileira’. Fux esclareceu que a Constituição contempla as medidas excepcionais que podem ser adotadas para solucionar crises.
De acordo com ele, ‘não se vislumbra no arcabouço constitucionalmente previsto qualquer espaço para a teoria de intervenção militar, tampouco para a atuação moderadora das Forças Armadas’. Em relação à ‘autoridade suprema’ do presidente, o ministro destacou que isso está relacionado à hierarquia e à disciplina da conduta militar. No entanto, essa autoridade não pode superar a separação e a harmonia entre os poderes.
Pedidos rejeitados Por outro lado, o relator não viu motivos para restringir o exercício das missões constitucionais das Forças Armadas aos casos de intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio. Aceitar essa demanda do PDT significaria fazer um ‘recorte interpretativo que a própria Constituição não pretendia realizar’, segundo Fux.
Da mesma forma, limitar a abrangência da defesa da pátria aos casos listados pelo partido ‘esvaziaria a previsão constitucional do artigo 142 e diminuiria a eficácia dos dispositivos constitucionais que tratam da atuação internacional do país’. Fux considerou tais restrições impediriam a atuação dos militares em outras missões relevantes para o interesse nacional.
Ele ressaltou que, dentro do conceito de defesa da pátria, existem várias possibilidades de uso das Forças Armadas para proteger as fronteiras e os espaços aéreos e marítimos, mesmo em tempos de paz. As missões de controle do fluxo de migração na fronteira com a Venezuela são um exemplo disso.
De toda forma, o ministro destacou a importância de salientar que o emprego das Forças Armadas fora das hipóteses de intervenção, estado de defesa e estado de sítio ‘deve estar dentro dos limites constitucionais e legais que não podem ser desconsiderados’.
Tanto em situações de normalidade quanto em cenários de guerra e defesa da soberania, o presidente da República não dispõe de poderes absolutos sobre as Forças Armadas, explicou o magistrado. O presidente está sujeito a ‘mecanismos de controle claramente delineados no texto constitucional’. Por exemplo, somente pode declarar guerra ou firmar a paz com autorização prévia do Congresso.
Em resumo, os demais poderes não estão subordinados ao Executivo. O relator também não viu ilegalidade no dispositivo que confere ao presidente a competência para decidir sobre o emprego das Forças Armadas.
Para ele, não há ‘fundamento jurídico’ para restringir essa prerrogativa, uma vez que o chefe do Executivo ‘exerce o poder de supervisão administrativo-orçamentária desse ramco estatal’ e que ele e os líderes dos demais poderes não podem utilizar as Forças Armadas ‘para tarefas não expressamente previstas na Constituição’.
Dessa forma, acatar o pedido do PDT significaria admitir que o líder de qualquer poder tem ‘superioridade e hierarquia’ sobre as Forças Armadas, o que ‘não condiz com a disciplina constitucional’.clique aqui para ler o voto de Fux ADI 6.457
Fonte: © Conjur
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